O MEDO
Esses dias conversava com uma amiga sobre como no decorrer da vida vamos ficando mais medrosas e depois da maternidade, então, a coisa piora. Uma outra amiga até me fala como não pode se dar ao luxo de morrer depois que teve filho. Deve ser um mecanismo de defesa do corpo, ou até mesmo resultado da maturação do lóbulo pré frontal que fica cada vez mais eficiente no diagnóstico das nossas ações e suas consequências. Confesso que me sinto saudosa daquela força anterior, daquela coragem quase burra que me levava para lugares inusitados sem a ansiedade do desconhecido. No geral, segui sendo uma pessoa destemida, uma adulta corajosa.
Mas desde julho eu vivo com medo. Isso aconteceu depois de uma conversa via teams que envolvia a palavra “desligamento", e desde então tudo o que eu tenho feito é o contrário disso. Me "liguei” a tudo, de maneira ampla e holística, tentei relembrar meus sonhos, estive por algumas semanas sem uma agenda de trabalho, doando toda a minha atenção ao meu filho e sentindo coisas que nem sabia que poderia sentir, talvez só quando estava na licença maternidade. Durou pouco, por sorte ou azar, desde julho já estive em duas empresas diferentes, e-mails diferentes, equipes inteiras e chefes diferentes. Minha capacidade de adaptação vem sendo testada, assim como a minha necessidade de introspecção sempre em atrito com uma vontade de estar no mundo, conhecendo pessoas, ouvindo novas piadas, memes, saindo do interior.
Nessa última saída, precisei ficar três dias longe do meu filho para diárias de fotos e filmes, algo que eu não fazia a uns seis anos, e que já fiz muito. Quem trabalha em set sabe a intensidade de uma gravação, mesmo que quase não tenha som direto (quando gravamos a voz dos atores/modelos, o studio precisa ficar em completo silêncio, o que é sempre desafiador, ainda mais em diárias externas que não conseguimos controlar as pessoas de fora).
Completei 15 anos de publicidade em outubro deste ano, quando cheguei em São Paulo pra ficar, voltando da Alemanha, na época uma estagiária de atendimento em uma produtora de animação na Vila Madalena. A Publicidade, São Paulo, sempre foram coisas mágicas pra mim, e mesmo morando fora do Brasil sempre me senti assim, como diria ainda outra amiga, meio "jeca". Agora morando no interior, também não me sinto pertencente, tenho ficado em algum lugar alheio, flutuante, talvez ainda seja o puerpério, vai saber.
Outra supresa de julho foi a síndrome de impostora, assim no feminino, algo que tem sido muito falado nas redes sociais, em uma sensação frequente de que não somos capazes de realizar nosso trabalho, uma insegurança profunda. No meu caso ela vem como ondas acompanhadas de qualquer revés que o trabalho apresente, e que me derrubam bem em cima da minha identidade. Tenho tentado me encontrar, saber quem eu sou no meio de todo o trabalho. Quem eu era antes de entrar na publicidade? Eu sei essa resposta, uma pessoa calma, leve, quase folgada. Em São Paulo me tornei enérgica, rápida no raciocínio, agilizada e assertiva. Também me tornei ansiosa e tive gastrite.
Dezembro de 2010, festa da firma em um boliche em Osasco. Aqui eu tinha mais de um ano de publicitária, já tinha meu PJ e era Atendimento. (25 aninhos).
UMBANDA
Um mês antes da fatídica reunião da manhã de julho, comecei a frequentar um terreiro de Umbanda, uma religião que me chamava a alguns anos, desde que li o maravilhoso livro/épico/tratado histórico ficcionalizado de Ana Maria Gonçalves. Faça um favor a você e compre este calhamaço que conta a saga de Kehinde/Luisa, uma escravizada sequestrada da Africa ainda criança e toda a sua trajetória de tristeza, mas também de alegria e vitórias em Salvador. E toda a história é cerceada pelos ensinamentos passados oralmente sobre as religiões de matriz africana e suas variantes. Luisa é uma personagem ficcional, mas que teve sua história largamente inspirada em uma escravizada real. Ana Maria levou vinte anos para escrever esta preciosidade, e a própria história dela para escrever a obra já é incrível por si só. Vale conhecer! E assim como a Umbanda me ensinou, não existem coincidências e somos levados por caminhos orquestrados pelos orixás que nos guiam, e por incrível que pareça, enquanto ouvia a minha sentença em julho (sim, gente, eu sou muito dramática), também ouvia bem baixinho na minha cabeça “é Exu abrindo seus caminhos", e Exu não tem nada de delicado, ele faz mesmo um fuzuê, e é neste fuzuê que me encontro.